Leia o texto na íntegra que o jornalista e escritor Luis Fernando Verissimo falou nesta quarta-feira, 4 de julho de 2012, abrindo a 10ª edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty.
“Há exatamente quatro anos eu fui convidado pela Flip para apresentar e entrevistar o dramaturgo inglês Tom Stoppard. Apesar do meu pavor de enfrentar o monstro, que é como eu chamo, carinhosamente, a plateia, qualquer plateia, me enchi de coragem, coloquei um Isordil preventivo embaixo da língua e subi no palco com o Tom Stoppard. E minhas primeiras palavras foram: “ É um grande prazer estar de volta aqui na CLIP”
Na hora, não me ocorreu nenhuma maneira de consertar meu erro. E vocês começam a entender por que fui o escolhido para fazer essa apresentação na décima Flip. Em primeiro lugar, queriam alguém que falasse pouco e não atrasasse a festa. Em segundo lugar, desconfio que quatro anos depois, a Flip quis, generosamente, me dar outra oportunidade de me redimir do vexame de ter trocado o F pelo C. Tive quatro anos para pensar numa explicação para minha gafe. Que, sem esta oportunidade, me perseguiria, inexplicada, até o túmulo.
E depois de pensar durante quatro anos decidi adotar uma máxima muito usada no futebol e por políticos sob investigação, segundo a qual a melhor defesa é o ataque. Minha explicação para a gafe é que não foi uma gafe. Troquei o F pelo C conscientemente, confiando que a plateia entenderia minha sutileza. Quem errou foi a plateia, que não me entendeu.
Com o C eu quis dizer que o que acontece aqui em Paraty todos os anos é uma conspiração. Há dez anos Calder e cúmplices conspiram para nos deixar todos mais inteligentes. O que acontece aqui é um conluio de idéias, um convênio de cérebros, uma convergência de tipos e talentos, uma catarata de conceitos e cantares, um carrossel de criações e catarses e contestações e casos e catequeses.
Meu C também aludia ao fato de grande parte do charme e do brilho do evento acontecer nas mesas dos bares e restaurantes em Paraty. Também era um C de comilança, de convescote e de conversa noite a dentro.
O caráter internacional do evento resulta num vibrante embate de línguas mediado por intérpretes atarefados, em que no fim todos se entendem, ou se desentendem magnificamente. Meu C também era de cacofonia, maravilha cacofonia.
E como quase tudo se passa sob essa grande tenda, onde vemos desfilar feras do pensamento, números de emocionante acrobacia intelectual e prestidigitação verbal, cuspidores de fotos e alguns palhaços no bom sentido, o C também era de circo.
Mas acima de tudo, o C que ninguém entendeu era de celebração – um termo quase religioso para o que vem acontecendo em Paraty todos estes anos. Celebração do livro. Celebração da literatura, esse território livre onde o espírito humano se expande e se impõe. Um dos últimos livros do Stephen Greenblatt – que, aliás, é um dos convidados desse ano – se chama “Shakespeare’s Freedom” e começa com essa frase: “Shakespeare como escritor incorpora a liberdade humana.” Para Greenblatt Shakespeare é o maior exemplo na história do poder da linguagem de conjurar mundos, inventar universos e examinar e emular qualquer emoção humana. Mas todo escritor tem acesso a esse território em que a linguagem tudo pode e a imaginação não tem limites. Cada livro, cada frase, cada palavra e eu diria até cada vírgula e cada ponto é um exercício de liberdade, e isto também é o que se celebra em Paraty.
E aqui também se celebra a permanência do livro. Não duvido que em algum momento deste encontro surgirá uma pergunta sobre a iminente morte do livro, vítima dos novos tempos e da nova tecnologia. Na verdade, a morte do livro vem sendo preconizada há tempo, e nunca acontece. É uma das mais longas agonias de que se tem notícia. E mesmo que o livro esteja moribundo, podemos buscar consolo numa analogia que li há pouco tempo, feita por outro americano, o romancista e ensaísta John Barth. Para Barth a morte do livro se parece com a morte de certas personagens da ópera, que vão definhando por três atos até falecerem no fim, mas não sem antes encontrarem fôlego para uma última ária. E Barth lembra que geralmente a última ária é a mais bonita da ópera. É esse o nosso consolo: como as sopranos tísicas, a literatura ainda nos reserva uma ária final, de uma grandeza hoje inimaginável. E que em algum lugar do mundo alguém está escrevendo esse trágico e belo último ato.
Pronto. Não sei se cheguei a desagravar a minha gafe, mas pelo menos tentei. E tudo isso foi apenas um preâmbulo para dar boas-vindas a todos e dizer que é um grande prazer estar de volta aqui, inaugurando a décima edição da Clip. Ahn, da Flip!”
05-07-2012 às 1:59 am |
Maravilhoso!!!!!!
05-07-2012 às 2:25 am |
Eu Adoro esse Cara!
05-07-2012 às 1:24 pm |
Amei este blog,meu sonho um dia ir a este evento, obrigada por vocs promoverem um evento to maravilhoso como este. parabns.
05-07-2012 às 2:35 pm |
Insigne!
05-07-2012 às 7:24 pm |
Meu maior sonho poder participar de uma FLIP… Equanto ele no se realiza, voucurtinhdo por aqui mesmo!!!
05-07-2012 às 7:47 pm |
Que bom que ele trocou o F pelo C, senão ele só teria dito novamente: “É um grande prazer estar de volta aqui na F(C)LIP”, e nós não teríamos lido esse sensacional texto de “desculpa”. Adorei!
05-07-2012 às 7:50 pm |
No tenho mesmo palavras para falar do discurso de Luis Fernando Verssimo. Deixo aqui registrado que um dia, se Deus me permitir, participarei pessoalmente dessa festa esplndida da literatura. E dizer que sou grata por vocs estarem disponibilizando os acontecimentos para ns, tantos apaixonados pela literatura, que no podemos estar a pessoalmente, parabns!!!
05-07-2012 às 9:20 pm |
LFV o cara!
05-07-2012 às 11:19 pm |
Adorei!!! E que o ltimo ato demore muito, muito mesmo.
06-07-2012 às 12:50 am |
Quem melhor que LFV para abrilhantar a abertura da FLIP2012?
06-07-2012 às 10:48 am |
Erros confirmam que somos humanos…trocar o C pelo F,vindo de você,é um acontecimento que prova de que estando nesta vida,podemos sempre ter uma segunda chance.
Maravilhosa sua volta por cima,grande abraço,de sua fã!
06-07-2012 às 10:52 am |
Erros confirmam que somos humanos…trocar o C pelo F,vindo de você é um acontecimento que prova de que estando nesta vida,podemos sempre ter uma segunda chance.
Maravilhosa sua volta por cima,grande abraço de sua fã.
06-07-2012 às 6:52 pm |
Dizem que a inveja um grande pecado. Mas peco com a conscincia de invejar um dolo. o meu saboroso pecado, e tenho certeza do perdo de Deus e do grande escritor.
06-07-2012 às 11:43 pm |
Por favor,esse camarada um monstro.. um dos maiores escritores brasileiros,temos muito que aprender com ele…parabns, Luis Fernando verssimo.
10-07-2012 às 1:50 am |
Belo Verssimo!
DESCAMINHOS
Czar.
Sermos amantes.
Nos livros, na vontade de potncia e livres!
Construiremos as nossas opinies
Silenciaremos os canhes e os sermes.
Viajaremos no universo e nas fragmentaes.
Sermos cantores
Nos bastidores, escritores!
Crticos dos valores superiores,
Da sociedade hipcrita sem concepes,
Vamos insuflar as cotas,
Em detrimento dos colonizadores.
Sermos artes,
Poesia, Plato e Scrates!
Livros belos, filosofia e conotaes!
Cidades, festivais e artes!
Nietzsche, disciplina e valores!
Sermos contestadores,
Catadores de sementes,
E idias mirabolantes.
Idealizadores de uma sociedade justa e combatente,
Nas trincheiras das desigualdades.
Sermos descaminhar…
10-07-2012 às 1:54 am |
Veríssimo, fantástico!
O FILÓSOFO.
Cézar
Quero comer as palavras
Pensamentos incessantes
Idéias mirabolantes
Ouvir músicas.
Quero entender as raças
Miscigenação das etnias
Cessar as guerras
Ler poesias.
Quero a paz nos livros
Entender os hinos
Falar vários dialetos
E combater os apocalípticos.
Quero entender a moda e as moças
Silenciar as violências
Insuflar os místicos
E ter na cultura o oceano de conhecimento.
13-07-2012 às 8:12 pm |
Como muitos disseram que tima esta troca. Com esta troca ns e a Flip ganhamos muito, pois, assim ele declarou o seu amor a literatura e assim nos deixa um grande desejo de participar desta festa maravilhosa (que ainda no consegui ir), e acabar por nos apaixonarmos ainda mais por literatura. Parabns. A Flip e todos ns fs agradecemos a sua troca.